Parece natural que a curiosidade faça parte do cotidiano da prática clínica do psicólogo e pode parecer estranho precisarmos discorrer sobre isso através de um artigo. Mas, de certa maneira, todos nós sabemos o quanto nossa mente têm uma tendência redutivista no modo como enxergar o mundo à sua volta. Nós selecionamos, esquematizamos, interpretamos e ordenamos as informações que recebemos a partir de inúmeros fatores, como: experiência prévia, tipo psicológico predominante, qualidade e natureza do vínculo, aspectos transferenciais e contratransferenciais, etc. Tudo isso inunda e permeia o setting terapêutico para além do nosso controle e faz parte da natureza de uma atuação onde o principal instrumento de trabalho é o próprio terapeuta, incluindo sua subjetividade.
Assim, falarmos da curiosidade na clínica psicológica é uma forma de compreendermos que este é um recurso que não devemos perder de vista quando estamos dedicados ao atendimento e cuidado de outras pessoas.
Sabemos que o ser humano é curioso por natureza, uma vez que, desde o nascimento precisa explorar o mundo à sua volta a fim de apreender o maior número de informações necessárias à sobrevivência. Porém, com o passar dos anos passamos a ficar presos aos condicionamentos e nosso olhar pode perder a destreza em ver as coisas como elas realmente possam ser.
Rubem Alves, em seu livro “A arte de ser feliz” fala um pouco sobre essa questão e compara os olhos das crianças como baldes vazios de saber e prontos para ver. Já os olhos dos adultos são vistos como baldes cheios e que muitas vezes olham sem nada ver, perdendo a riqueza dos significados que o mundo pode abarcar.
Portanto, o olhar do adulto tende a unilateralização. E, como aponta Carlos Byington,
“quando nossa Consciência opera unilateralmente, ela pode separar a energia da matéria, a psique da natureza, o consciente do inconsciente, o subjetivo do objetivo e a mente do corpo. Assim fazendo, ela funciona com maior facilidade, mas o preço é a alienação que limita a percepção de que ela sempre está ligada às polaridades dentro do Todo”.
Desta forma, perceber as polaridades de maneira integrada num todo de significado para a compreensão dos significados dos sintomas é tarefa sine qua nom para o bom psicólogo clínico e, neste aspecto, a prática da curiosidade é indispensável para que isso possa acontecer.
É a curiosidade que diminui as chances de que o terapeuta, ao se deparar com uma experiência trazida por um paciente, acredite que já conheça seu significado por meio do conhecimento de vivências semelhantes de outros pacientes, pessoas de seu convívio ou das suas próprias. Afinal, é ela que leva o terapeuta a querer conhecer a singularidade do significado daquele acontecimento, pensamento, ideia, sentimentos, etc. para aquele paciente em específico e naquele momento da sua existência.
Um olhar curioso também nos afina na compreensão dos símbolos que podem estar atrelados aos sintomas, queixas e relatos trazidos pelos pacientes. Ela nos instiga, como verdadeiros detetives a buscar relações, a perguntar, a não se conformar com uma explicação puramente lógica e concreta, a ir a fundo na história pessoal e coletiva… enfim, a tudo àquilo que é fundamental para que o processo psicoterápico se desenvolva favoravelmente.
Aliás, numa postura curiosa, a prática de perguntar ao invés de puramente interpretar e relacionar por conta própria passa a ser natural na atuação do psicólogo.
Assim, a curiosidade faz com que o terapeuta não fique conformado com visões parciais a respeito de algo, não se represando em uma teoria ou forma de pensamento, mas buscando novos paradigmas, e conhecimentos, alargando o aprendizado em relação ao mundo que o cerca. Um terapeuta curioso está sempre pronto para aprender e não se sentirá tão inseguro em errar e assumir lacunas em seu conhecimento.
Além disso, por saber que o fenômeno transferencial faz parte de qualquer relacionamento, o terapeuta curioso também irá ao encontro do seu autoconhecimento, buscando o que a relação com o paciente e sua história desperta em si mesmo. Estará focado não só ao conteúdo verbal do paciente, mas também em seus gestos e expressões. Atentará para as reações que o conteúdo trazido pelo paciente produzirão em seu corpo, em seu estado emocional e em sua psique. Buscará sua própria terapia pessoal e supervisão para enriquecer sua visão sobre o que se passa na relação terapêutica e, assim, percorrerá seu próprio caminho de autoconhecimento e ampliação da consciência.
O terapeuta curioso também desperta em seu paciente o desejo de se aprofundar em sua própria história e psiquismo, mostrando que essa exploração e uma visão menos redutivista e polarizada sobre sua vida pode levar a uma ampliação do seu mundo consciente, auxiliando em escolhas, decisões e na melhoria da qualidade de vida.
Portanto, façamos da curiosidade uma grande parceira na nossa prática clínica. Usada de maneira adequada ela nada terá a ver com uma postura mexiriqueira, mórbida ou invasiva mas, nos auxiliará a estar mais próximos da totalidade e de uma visão simbólica sobre o outro, sobre o mundo e sobre nós mesmos.
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